REFLEXÃO PÓS AÇÃO | REFLEXION POST ACTION
May 10, 2016Em 2015, me propus a realizar uma performance onde usei as minhas
últimas sete menstruações para imprimir, em uma arena de papel de algodão, a
memória da ação, decorrente do movimento das gotas de sangue na superfície da
pele. O ato foi realizado em uma galeria de arte, dentro da programação da
primeira edição do seu festival de performances.
Até agora, entendia que a performance é uma linguagem que carrega o
“não ensaio” como elemento estruturante, que prevê a criação de uma
partitura/programa de ações a serem realizadas em determinado espaço e tempo,
que são estudadas e memorizadas, mas não ensaiadas. A repetição como lapidação
da ação, como é usada na cena teatral, não é usada nesse caso. Aqui não há (ou
havia) lapidação prévia, mas a construção conjunta (artista + público) em tempo
real. Porém, a ação me fez pensar sobre a importância do controle, ao menos
parcial, no que diz respeito às imagens projetadas no momento da criação da
partitura, para não haver a dissociação do pensamento e da ação, ou uma pequena
esquizofrenia artística.
Se ao criar uma peça performática que contém imagens precisas, mas
que não foram experimentadas ou que habitam só o campo das ideias, muito
provavelmente, ao final nos depararemos com um resultado que não havíamos
imaginado. Mas essa também é uma ótima oportunidade para repensar nossos
mecanismos padronizados de criação. É essa pequena “esquizofrenia” saudável que
nos transporta do conforto ao confronto. É ela o motor para a mudança.
No meu caso, a intenção da ação estava intimamente ligada à simbologia
do sangue menstrual como alimento de uma possível vida e do potencial criativo
que esses ciclos carregam. Assim como em algumas culturas são oferecidos frutos
para a terra, para que ela devolva em dobro em uma colheita abundante, quis
entregar meu poder de criação, representado pelo sangue, para o solo, para que
eu obtivesse a força criativa renovada. Porém, não considerei que o sangue foi
feito para correr por dentro do corpo, quando corre por fora, gera um
estranhamento e uma associação com imagens de dor, machucado, acidente, além
das outras leituras do inconsciente coletivo, como violência, sujeira, morte,
putrefação, etc., me atentando somente ao movimento suave que as gotas fariam
pela superfície da pele e ao ato da entrega.
Sou consciente que a arte da performance tem a própria experiência
como pressuposto e considero essencial ao crescimento do artista a abertura à
reavaliação de escolhas poéticas. Também entendo a tamanha predisposição que
temos em esbarrar com “erros” quando trabalhamos com um tipo de arte que
depende tanto do lançar-se ao momento que vem com a carga daquele dia, hora,
pessoas e lugar, no caso, uma Galeria de Arte.
Após o tempo necessário para decantar a ação, me questionei até que
ponto um artista, que trabalha com essa mídia, se beneficia ao colocar a
experiência como obra. E até que ponto a experiência colocada como obra perde
sua potência de experimento aberto e pulsante e vivo, por ganhar um status quo de trabalho finalizado.
Acredito que este lugar é alcançado somente através do entendimento que vem da
própria obra, do amadurecimento da ideia e do tempo necessário para
percorrer o caminho que leva até o sentimento de completude do
trabalho, fazendo com que esse lapso entre concepção e realização seja cada vez
menor e que a única ansiedade que os artistas se apropriem, seja uma ansiedade
produtiva, que indique esse caminho, e não uma que nos faça pular etapas no
processo de criação.
Entretanto, se por um lado, a minha experiência tornou-se “obra” pelo
lugar em que ela foi inserida, por outro, este mesmo lugar foi o que
possibilitou a presença do público e a descoberta da ambiguidade do espaço da
Galeria, que permite a experiência conjunta, que tira o artista do processo
isolado de criação, e traz pela exposição, uma vulnerabilidade positiva para a
sustentação da presença.
A arte da performance tem como cerne a própria presença humana, que
serve como ponte entre ação e espectador. Uma presença expandida plena de
intenção, concentração e de um saber de si, de cada parte, de cada espaço vazio,
tão rara que chama a atenção. E desconfio que é isso que o público busca:
estados raros de presença que desconstruam o caráter cotidiano da realidade,
estados que tragam mais brilho, ou cor, ou até incoerência. Incoerências podem
ser fascinantes. Desconfio também, que o trabalho com as oposições é um efetivo
expansor da presença. Céu e terra, frente e trás, mulher e homem, quente e
frio, pulsado e fluido, tudo no mesmo corpo. Mas isso é especulação primária
que está em fase de investigação de campo.
Independentemente de que se faça, o como se faz é de uma importância
fundamental ao encanto. O estado de
concentração absoluto no gesto, o saber-se de si, o ato de fazer escolhas
segundo à segundo, ter um corpo não rotulado que borre fronteiras entre os opostos
são componentes essenciais à criação de uma presença potente capaz de criar a
intersecção mais poderosa que a arte pode criar: a intersecção entre artista e
público, o lugar onde se compartilha ideias, valores e filosofias, e onde há a
possibilidade de mudança/crescimento mutuo através da experiência.
In 2015, I set out to accomplish a performance where I used my last seven periods
to print, in an arena of cotton paper, the memory of the action resulting from
the movement of the drops of blood on the surface of the skin. The act was
conducted in an art gallery, within the schedule of the first edition of its
performance festival.
So far, I have understood performance as a language that carries the
“unrehearsed” as a structuring element that foresees the creation of
a score/program of actions to be carried out in a given space and time, which
are studied and memorized, yet not rehearsed. Repetition as refinement of the
action, as used in the a theatrical scene, is not used in this case. Here,
there is (or was) no prior refinement, but a joint construction (artist +
public) in real time. However, the action made me think about the importance of
control, at least in part, with regard to the images projected at the time of
creating the score, so that there is no dissociation of the thought and the
action, or a minor artistic schizophrenia.
If creating a performance piece that contains precises images that have not yet
been tested or that merely inhabit the field of ideas, it is very likely that
at the end that we will be faced with a result that we hadn’t imagined. But
this is also an excellent opportunity to rethink our standardized mechanisms of
creation. Is this minor yet healthy “schizophrenia” that transports
us from comfort to confrontation. It is the driver for change.
In my case, the intention of the action was closely linked to the symbolism of
menstrual blood as nourishment of a possible life and the creative potential
carried by these cycles. Just as in some cultures fruits are offered to the
earth in order to be returned in double in a bountiful harvest, I wanted to
deliver my creative power represented by blood into the ground, so that I could
obtained renewed creative force. However, I didn’t consider hat the blood was
made to flow inside the body, and that when it flows out it creates a sense of
strangeness and an association with images of pain, injury, accident as well as
other readings from the collective unconscious, such as violence, filth, death,
decay, etc. I merely paid attention to the smooth movement that the drops would
make on the surface of the skin and in the act of surrender.
I’m aware that performance art has experience itself as presupposition and I
consider openness to reassess poetic choices as essential to the growth of the
artist. I also understand the great predisposition we have of running into
“mistakes” when working with a type of art that depends so much on
casting oneself into the moment, is laden by that day, time, people and place,
in this case, an art gallery.
After the time necessary to settle on the action, I wondered how far an artist who
works with this medium would benefit by placing experience as an artwork. And
to what extent experience placed as artwork loses its power as an open,
pulsating and living experimentation by gaining the status quo of a completed
project. I believe this position is achieved only through the understanding
that comes from the work itself, the maturation of the idea and the time needed
to traverse the path that leads to the feeling of completeness of the work,
making this lapse between concept and realization increasingly smaller and the
only anxiety taken on by the artist could be a productive anxiety that shows
the way, and not one that makes us skip steps in the creation process.
However, if on the one hand my experience has become “artwork” by the place in
which it was included, on the other, this same place was what enabled the
presence of the public and the discovery of the ambiguity of the gallery space,
which allows the group experience, takes the artist out of the isolated process
of creation, and uses exposure to bring about a positive vulnerability for
sustaining presence.
Human presence itself, that which serves as a bridge between action and spectator, is
the very core of performance art. An expanded presence full of intent,
concentration and self-awareness of every part, every empty space, so rare that
it draws attention. And I suspect that’s what the public is seeking: rare
states of presence that deconstruct the everyday nature of reality, states that
bring more brightness, or color, or even incoherence. Incoherences can be
fascinating. I also suspect that work with oppositions is an effective expander
of presence. Heaven and earth, front and back, woman and man, hot and cold,
pulsated and fluid, all in the same body. But this is primary speculation still
being researched in the field.
Regardless of what is done, how it is done is of fundamental importance for
fascination. The state of absolute
concentration in the gesture, self-awareness, the act of making choices from
second to second, having a body that is not labeled blotting out the boundaries
between opposites are essential components for creating a strong presence able
to create the most powerful intersection that art can create: the intersection
between artist and audience, the place where ideas, values and philosophies are
shared, and where there is the possibility of change/mutual growth through
experience.